segunda-feira, 19 de julho de 2010

O texto que não aconteceu

O cara ligou para ela após deixá-la na porta, desajeitada, dizendo que lia sua vontade de beijá-lo nas mãos inquietas.
No dia seguinte ficou sabendo que o cara escrevia. Merda. Pior, que escrevia sobre relacionamentos, amores possíveis e, drogas, sobre sexo até. Tragédia parece que lá no blogzinho discorria sobre suas peripécias amorosas, tanto as triviais quanto as de derramar o leite, lagrimas ou dois dedos de wisk com uma pedra de gelo. Amanha ou em dois dias, três no máximo, saberia o que ele achou do dia que o dividiram, da sua mania de cumprimentar com as mãos os vira-latas perdidos na rua, do tamanho do seu pé.
Ligou o computador, digitou o endereço repassado pelas as amigas e deu de cara com um texto sobre alguém que, irrevogavelmente, não era ela. Ela não era baixinha, nem morena e nunca alguém a disse ter olhos com sabor igual de pitangas colhidas na infância, nas ruas arborizadas da vila. Seu dia nublou, rabiscou oito vezes que homens são todos iguais nas costas de uma conta de luz, desejou ser morena pela a primeira vez na vida, jurou embargo ao pênis, arrancou fora, à unha cítrica, o F5.
Tudo bem que o cara ligou pra ela. Autentico, no mesmo dia ainda, após deixá-la na porta de casa, desajeitada, dizendo que lia a sua vontade de beijá-lo nas mãos inquietas, no calor da nuca, mas que sabia esperar. Tudo no maior estilo conquistador fajuto, cujo maxilar não vê uma lamina faz uma semana. Mas pô, cadê o texto? Será que deu pau na memória do computador? A mãe dele jogou fora seu rascunho? Foi picado por uma sucuri no centro de Pelotas? Por que dezenas de mocréias mereciam engenhosos escritos românticos e ela não?
Em casa chorou um tantinho de nada, fungou, limpou as lagrimas na manga do seu moletom do Pernalonga, ninguém havia por perto mesmo. Ligou para lancheria da esquina e pediu um x-tudo para combinar com o sorvete de creme esquecido no freezer, que não imaginava precisá-lo tão cedo, que diria vinte e quatro horas depois. Confeccionou um rado-de-cavalo, catou um cd dos mais vendidos da Alicia Keys e a campainha tocou. Era o tio de lancheria, decerto.
Era o tio da lancheria, “vinte reais, moça”. Oportunista, de carona na porta escancarada, afobado, com a cara lavada aparentando sujeira na barba quase paleolítica, apareceu ele, o cara-de-pau, safado, mentiroso, escritor de araque. Veio com um papo barato de que não escreve sobre as mulheres reais da sua vida, que suas historias são contracenadas por seres imaginários. Desconversou com um beijo roubado, afirmou que nunca havia confundido lábio de mulher com uma onda do mar e que, caramba, gostava dela.
Ela sentiu raiva por sorrir e achar  bonitinho tudo que ele falava. E assim como num texto, de uma linha para outra, a historia mudou totalmente de rota. E o x-tudo e o sorvete de creme derretendo por cima, que apaziguaria o coração de um, saciou o prazer de dois. 

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