quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tudo que meu pai não soube ser

Lembro bem do dia que comecei a perde a inocência que ainda hoje insisto em resgatar. Não esqueço a cena, o mesmo pai que me ensinou a nunca mentir rechaçando dois anos infidelidade sentado na escada com meio cigarro entre os dedos trêmulos. Você sentada na ponta do sofá, desabafada, com mania feminina de sempre se culpar. Naquele dia eu chorei e prometi em segredo não repetir a façanha, ser um cara melhor, o que, convenhamos, não parecia tão árduo.
Mesmo com trauma de infância dentro do meu corpo pequeno, sem entender por que todos os pais eram divorciados menos os meus, vou morar com aquela que ainda chamo de “mor” com alegria. Não foi doce imaginar a chegada desse dia. Mais chegou, mãe. Enfim, à hora de retribuir uma gota de todo o oceano que você fez por mim com uma outra mulher. Longe da barra das suas saias primaveris, sendo para uma garota tudo que o meu pai não soube ser contigo.
Não sei o que me espera lá fora, talvez em meses o mundo, o cotidiano a dois, um apartamento pequeno me engula de arrependimento, mais é justo por não saber que estou indo embora. Eu sou teimoso, mãe, bem sabes. Não vou sossegar enquanto não poder gritar janela a fora que ser homem é muito mais que ficar estancado no sofá com cara de bunda enfiado num jornal de ontem.
Deixo um imundo par de meias recém chegado do futebol estrategicamente esticado no chão do banheiro,  para seu ultimo deleite de exasperação. Será seu derradeiro sermão, tarefa agora de incumbência da namorada que você apreendeu a amar goela baixo, como todas as outras que lembro ter trazido pra jantar em sábados a noite.
Na lembrança, seu café passado, seu cuidado, minha opinião sobre suas sempre impecáveis combinações de roupa, sua aflição diante do meu silencio de menino criado mudo. Obrigado por não enfeitar meu caminho, não encher meus olhos de fantasias e não compactuar com a herança que me caberia, não fosse eu um desertor nato: de que as mentiras são a bengalas do amor.
É o dia da mudança. É o “vai-ou-racha”. Provavelmente nunca vou saber se será melhor assim. Mais preciso saber de uma vez por todas se é mesmo impraticável dividir suíte, tirar o lixo pra rua, passear com o cachorro, fazer supermercado e, ao mesmo tempo, sorrir, contar sobre o trabalho, fazer piadas e desejar todos os dias a mesma mulher, no carpete, na frente do Willian Bonner, às oito da noite de uma quarta-feira qualquer, pra desespero dos vizinhos.
Mãe, eu preciso saber. Preciso crer que tenho sorte.preciso provar que sou mais homem do que me ensinaram a ser. E se nada for do jeito que imagino, guarde um sonho fresquinho pra mim ou pelo menos aquela bendita força que você sempre mostrou. Pretendo usá-la para nunca dar meu braço a torcer.

7 comentários:

  1. Texto forte, expressivo, digo sem dúvidas que me identifico com ele na mesma tentativa que a sua.
    Seguindo!

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  2. "É o “vai-ou-racha”. Provavelmente nunca vou saber se será melhor assim. Mais preciso saber de uma vez por todas se é mesmo impraticável dividir suíte, tirar o lixo pra rua, passear com o cachorro, fazer supermercado e, ao mesmo tempo, sorrir, contar sobre o trabalho, fazer piadas e desejar todos os dias a mesma mulher..."


    Que texto muito bem escrito! Incisivo, objetivo.
    Sem mais a dizer.
    No mais , sucesso!

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  3. Eu gostaria de achar um homem que me deseja-se todo dia, nem sempre é possível e eu nem espero mais..Me "divirto" brincando de escolher um por dia, como se isso preenche-se alguma coisa

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  4. COLOQUE OS CRÉDITOS!!

    ESSE TEXTO É DO "GABITO NUNES"

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